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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Jequitivale, uma canção do Vale do Jequitinhonha

Neste post eu vou discutir uma das músicas mais aclamadas pelos "filhos do Jequitinhonha" e pelas pessoas que admiram o Vale do Jequitinhonha. Trata-se da música Jequitivale, escrita pelo cantor e compositor nascido em Minas Novas - MG (cidade do Vale do Jequitinhonha) Mark Gladston Nunes e Sousa, o Verono. Esta música está contida no CD intitulado "Divera", lançado em 2005.

Este cantor que poderia ser um dos maiores expoentes do Vale morreu num trágico acidente de carro na cidade de Virgem da Lapa com apenas 26 anos. depois de ter realizado um show na cidade. Mas nada de lamento neste post, pois este pacato músico mineiro deixou lindas canções que ecoarão na eternidade, fazendo-o imortal.

Jequitivale é uma canção que caiu inteiramente no gosto de todos os habitantes e por aqueles que viveram ou passaram pelo Vale do Jequitinhonha. A razão para isto ter acontecido é que esta música retrata de uma forma pura e simples o amor que este compositor tem por sua região. A letra também retrata muito bem o cotidiano dos habitantes do Vale e cada passagem desta canção nos remete um pouco ao "jeito Vale de viver".

A música começa descrevendo o habitante típico do Jequitinhonha ao dizer "Você que anda com o pé rachado e com a palha atrás da orelha". Este é aquele cidadão típico que mora em pequenas cidades e vilarejos meio que "distantes da civilização" ou da modernidade. Isto é uma parte marcante nas regiões com a economia pequena e basicamente rural. Este cidadão que anda com o pé rachado, ou seja, descalço ou com calçado que mal lhe cobre o pé e com o velho cigarro de palha na orelha são os habitantes mais velhos que ainda trazem consigo as características e o modo de viver de seus pais, avós, bisavós, etc.

A canção continua na mesma estrofe dizendo assim "Com a aba do chapéu na testa e se vira da noite pro dia". Esta parte da música continua chamando a atenção para a descrição dos cidadãos do Vale ao colocar outras caracteríticas pertencentes a muitos habitantes desta mesorregião mineira. A parte "se vira da noite pro dia" ainda é um desafio para descrever, pois não sei se é simplesmente mais algo para demonstrar o cotidiano (acho mais plausível) ou se denota preocupação (o que não seria um traço caracterítico...).

Depois da primeira estrofe ele começa com "Você que banha no Fanado e que tira ouro de bateia". Aí entra outra característica arraigada em todo Vale do Jequitinhonha, o costume de banhar (tomar banho ou nadar) em algum dos diversos rios ou ribeirões que banham este Vale. Mas não é só isto que talvez esta parte quis buscar, tem também o aspecto que boa parte da vida dum cidadão do Vale é vivida na beira de um rio. Atividades como brincar, tomar banho, lavar roupas e vasilhas, pescar e muito mais coisas fazem dos habitantes do Vale verdadeiros peixes e quem sai de lá sempre sente saudade daquele rio ou ribeirão que passava perto de sua casa... No caso específico ele está falando sobre o Rio Fanado que é um dos rios que banha a sua cidade e que ele deve ter usufruído.

Há que se notar também uma característica posta na letra da música que é a forma que muitos habitantes até hoje procuram metais. Tirar ouro de bateia é um modo primitivo de se extrair ouro dos ribeirões e era assim que antigamente extraía ouro do Brasil a mando da coroa portuguesa. Os rios do Vale do Jequitinhonha eram rios que se podiam encontrar diversos metais preciosos, inclusive o ouro, trazendo diversos pessoas para o seu garimpo em busca de riqueza. Tem-se daí o começo da povoação do Vale pelos europeus e a busca por metais preciosas nos moldes antigos ainda persiste em alguns habitantes ribeirinhos nesta região.

Na terceira estrofe o autor coloca "Desculpe seu doutor mas receba os cumprimentos meus" "Eu fico com a filosofia do mestre João de Deus". Nesta estrofe podemos notar o jeito simples do cidadão do Vale no modo de se expressar com os outros e que prefere o simples ao complexo. Não sei quem é João de Deus, mas deve ser mais uma daquelas pessoas com idade avançada e com muita experiência para passar aos jovens. É comum ter nestas cidades alguma pessoa com mais idade que saiba se expressar sabiamente com a população e tem o respeito de todos, tendo assim uma garnde influência na população.

A quarta estrofe descreve o seguinte: "A saudade me maltrada e me faz olhar no calendário" "Pra ver se faltam poucos dias pra ouvir o tambor do rosário". Esta parte é a que chama a atenção de todos "filhos do Jequitinhonha", mas que por diversos motivos saíram do Vale em busca de novas conquistas. Vê-se o autor descrevendo uma festa que é a mais popular na sua cidade e que ele deveria gostar muito. Em cada cidade do Vale do Jequitinhonha tem pelo menos uma grande festa que é normalmente um evento cultural e/ou religioso (não sei se dá para separar as duas coisas) e que atrai diversos turistas e àqueles que nasceram e cresceram nestas cidades. As festas populares do Vale é uma oportunidade e convite para todos aqueles que se ausentaram de sua terra natal voltarem as suas raízes.

Outras coisa que vale a pena notar é a herança cultural vinda principalmente da cultura indígena e africana. Quem conhece o Vale vê que sua gente é em sua maioria cafuza, ou seja, mistura de negro com índio. A razão disso é que os povos indígenas do Vale do Jequitinhonha não aceitaram pacificamente a dominação portuguesa e resistiram bravamente para ficar na sua terra e muitos negros fugiam da escravidão e formaram quilombos ou pequenos vilarejos pelo Vale. Nota-se então uma grande presença da cultura negra e indígena na região junto com a religiosidade também marcante no Vale.

Por último e para fechar esta maravilhosa canção ele canta o seu amor pelo Vale num refrão que é hoje o mais cantado nas festas e reuniões do povo deste lugar:

"Vale que vale cantar
 Vale que vale viver
 Vale do Jequitinhonha
 Vale eu amo você"

Dizer o quê deste refrão? Para quem nasceu no Vale do Jequitinhonha ele é auto-explicativo, mas para aqueles que nasceram em outros lugares e veio parar aqui eu digo que este refrão demonstra o carinho e consideração que todas as pessoas que vivem neste lugar ou que nasceram e não moram mais lá e também aqueles que não estão nestas duas hipóteses principais, mas que de alguma maneira admiram este lugar.

Foi um grande presente que o Verono nos deixou e quem ainda não conhece esta canção ou simplesmente não cansa de ouvir. Estou disponibilizando o vídeo abaixo de um dos shows que Verono fez cantando esta música. Ouça, duvido que não vão gostar...


Um comentário:

Antonio Sá disse...

Excelente análise.
Vale acrescentar que o mestre João de Deus foi um mestre de Congada de Minas Novas, Vale do Jequitinhonha e faleceu com 98 anos.